inercia"O que torna um sonho irrealizável é a inércia do sonhador" - Anónimo

No momento da escrita desta crónica terminou já o impensável, intolerável e desumano sequestro num dos mais luxuosos centros comerciais quenianos, começado no sábado passado e- mal- terminado na terça-feira passada. Entretanto, há a lamentar 70 mortos, entre os quais vários estrangeiros, inclusive o famoso poeta ganês Kofi Awoon, junto com um número indeterminado- e crescente- de feridos, graves erros de liderança, logística e atuação que rapidamente se acumulam para nos permitirem considerar esta uma das piores, senão a pior, operação de resgate de reféns do século atual.

Infelizmente, e apesar da maior surpresa das autoridades de Nairobi, este triste episódio já era há muito expectável, numa área do Globo terrivelmente famosa pela sua constante instabilidade e ingovernabilidade. Não nos iludamos: todo o Corno de África é uma região falhada, muito embora as recentes intervenções americanas e europeias e a manutenção de uma frota coligada ao largo da costa somali e apesar de todo o apoio financeiro à Etiópia, Quénia e Sudão, mesmo com as megalómanas campanhas de combate à fome na Somália, Etiópia e Sudão do Sul. Tristemente, a pobreza, a miséria, a corrupção, o fundamentalismo, o terrorismo e os conflitos bélicos continuam a ser o dia-a-dia da região, que se mantém um verdadeiro cancro numa África que, apesar dos revezes sofridos, se esforça para se desenvolver e atingir patamares económicos, sociais e demográficos aceitáveis. Não era, assim, de todo inexpectável o que veio a decorrer na fatídica tarde de sábado passado. Contudo, mesmo não sendo totalmente inesperado, há que tirar algumas conclusões do ocorrido, com vista a minorar a possibilidade de futuros incidentes como este, um verdadeiro banho de sangue inútil, apenas mais uma página no pútrido livro do fanatismo religioso e da falta de diálogo.

Assim:
I- As autoridades quenianas devem, facilmente, retirar uma conclusão: não continuarão a atuar na Somália impunemente ou, ao menos, sem sofrer represálias de milícias extremistas, eventualmente no seu próprio território. Que tal não amedronte o governo queniano, muito menos o seu honrado e corajoso povo: chorem os mortos, com todas as lágrimas dos Justos e com todo o apoio do Mundo, tratem dos feridos, com todas as facilidades que a medicina atual oferece, mas mantenham-se firmes, pois só a sua firmeza permitirá a excisão deste tumor;
II- Aos líderes mundiais, há-que manter a ofensiva contra a Al-Qaeda e seus associados; ao contrário do que por vezes se afirma, estes atentados apenas reduzem a influência dos perpetradores junto do Homem comum, horrorizado com a vileza das ações e com a baixeza de espírito; apenas homens, de má-fé e conduta duvidosa, se vêm inspirados por morticínios semelhantes. Posto isto, está a aproximar-se a hora final para todos estes movimentos, cuja base é a ignorância humana e o aproveitamento da sua Fé natural, da sua aversão ao diferente e ao novo, do seu pressuposto de superioridade, para a perpetuação da sua pérfida doutrina. Assim, não podemos vacilar: urge dar a machadada final aos últimos bolsões de resistência, para esterilizarmos, de uma vez por todas, esta vil corja de assassinos;
III- Finalmente, considero que esta poderá ser uma das últimas ações do terrorismo islâmico liderado pela supracitada Al-Qaeda, bastante enfraquecida nos últimos anos pelas ações ocidentais, que abateram ou capturaram a grande maioria da sua cúpula de decisão, criando, assim, algumas cisões internas na organização, cujas cada vez mais desorganizadas atuações apenas comprovam.

Contudo, o mal ainda possui extensas raízes, não tendo sido sequer totalmente erradicado. Mesmo assim, a Comunidade Internacional não pode fechar os olhos a estas questiúnculas religiosas e quezílias políticas, sob pena de não resgatar uma das mais promissoras - até geoestratégicamente falando - regiões do Continente Negro de um longo crepúsculo, cujas longas metástases poderão facilmente contaminar a prosperidade dos vizinhos e ameaçar a estabilidade da região.

Mas, se mesmo assim não estivermos convencidos do interesse em despender recursos, vidas e tempo num conflito distante, para mais dificilmente resolúvel, resta-nos apelar ao nosso próprio egoísmo: que interesse tem a Europa num ninho de vespas à sua porta? Que vantagens terão os americanos numa ponta-de-testa terrorista em África? Que interesse terá o mundo em continuar sem um mercado para os seus produtos, para as suas exportações, sem um parceiro comercial com um futuro tão promissor como o da restante África?

Que vantagens terá a nossa consciência em saber de crianças que ainda hoje morrem à fome e não fazermos nada para o impedir? Que vantagens teremos ao permitir a contínua doutrinação do ódio ao Ocidente nestes povos? Que vantagens teremos em saber do declínio de uma das mais bárbaras associações criminosas da Humanidade e não lhe darmos a machadada final?

Miguel Padrão (11.º A1)Miguel-Padrao