O novo livro de Teresa Noronha foi apresentado ao público no dia 10 de dezembro de 2021, mas antes, em dezembro de 2020, foi laureada na primeira edição do Prémio Literário Maria Velho da Costa, criado pela Sociedade Portuguesa de Autores. A somar leitores, críticas e prémios, em outubro, a escritora moçambicana foi anunciada uma das vencedoras do prémio do PEN Club Português, uma iniciativa que reconhece obras de poesia, ensaio e narrativa.
E é nesta perspetiva que nos importa descobrir o condão por detrás destes prémios, do livro, da narrativa, da sua vida enquanto escritora e responsável pelo setor de publicações da Escola Portuguesa de Moçambique – Centro de Ensino e Língua Portuguesa (EPM-CELP). Como escritora, Teresa Noronha ganhou o Prémio Nacional da editora Alcance para o livro infantil com A Viagem de Luna (2015), e agora com Tornado soma mais dois prémios.
Fora da escrita e edição de livros, Teresa Noronha traduziu vários romances do francês para a editora Teorema: de Patrick Besson — Haldred; de Richard Morgiève — Meu Lindo Jacky; de Pierre Louys História do Rei Gonalve e das suas doze Princesas, e para a Íman edições O ladrão de crianças de Jules Supervielle do francês. Também traduziu um livro de poesia de José Luís Panero e um livro de ensaio de Alan Watts — Om, a sílaba sagrada. E, em Moçambique, o livro de poesia da poetisa espanhola, Esther Peñas, O Passo que se habita, e em Portugal, a sua última tradução: A Inesperada seguiu-se ao Um curto vestido de Festa, ambos de Christian Bobin, e editados pela Barco Bêbado.
Levou cerca de dez anos a escrever e rescrever “Tornado”. Quando é que decidiu que já estava pronto para o público?
Um livro nunca está pronto. É sempre um processo em construção. Mas chega uma altura em que temos de deixar a coisa acontecer, mesmo cientes de que não está perfeito. De qualquer maneira, é sempre o olhar dos outros que valida o trabalho. O escritor nunca escreve sozinho. Há sempre pessoas a quem mostramos o que vamos escrevendo. E quando a maioria dessas pessoas considera que o livro está pronto, percebemos que talvez tenha chegado o momento de o deixar ir a público. Mesmo depois destas leituras, achei melhor concorrer ao prémio Maria Velho da Costa para confirmar que tinha qualidade para publicação. Obtive essa confirmação ao ser anunciado o Prémio.
E foram precisos dez anos para ter a certeza da qualidade da obra?
Sim, porque não escrevo de forma contínua. Há momentos em que escrevo e outros não. E quando volto a pegar nas coisas é com outro olhar, ou seja, é necessário voltar a trabalhar o mesmo ponto de outra forma. “Tornado” foi escrito por blocos e a cada um numa altura diferente. É preciso primeiro encontrar um fio condutor que una as partes da narrativa e também é preciso uniformizar a linguagem. Este é o processo. Dez anos parece muito, mas, quando se pretende ter alguma qualidade o tempo necessário não tem qualquer importância.
Tem carreira como tradutora, editora e escritora. Dizem alguns editores literários que a grande dificuldade, enquanto também escritores, reside na perfeição. De tanto serem perfecionistas e exigentes nas obras dos outros, não se sentem seguros na escrita. Sente o mesmo?
Não. Para mim, escrever é uma coisa e editar outra. Contudo, é sempre mais fácil opinar sobre as coisas dos outros. O ser humano é assim: sente-se à vontade para criticar e tem dificuldades em olhar para o próprio umbigo. Por isso, o escritor, mesmo sendo editor, não pode ser editor de si próprio. A leitura do manuscrito requer um olhar externo. Apesar de ser importante o nosso olhar, a nossa exigência, é fundamental a atenção e o confronto com o olhar dos outros.
Existe alguma interferência da edição na escrita ou vice-versa?
É o seguinte: quando tu estás a escrever, não estás a editar. E quando estás a editar, estás diante de um objeto que te é estranho. Há distanciamento na edição e apropriação na escrita. Para editares os teus livros, tens de voltar a olhar para eles como se não te pertencessem, com desapego. E isso só acontece depois de deixarmos o texto repousar algum tempo.
“…antes de publicar em Portugal entreguei o manuscrito aqui [em Moçambique] a alguns editores. De facto, houve um grande silêncio. Não consigo ainda hoje interpretar este silêncio. É difícil saber as razões do silêncio, porque não houve nem um `sim´ e muito menos um `não´.”
E quanto às vantagens de conciliar os dois mundos…?
A única vantagem que existe é que conheces melhor o mercado editorial. Não chateias muito o teu editor. Se o livro vende ou não, deixa de ser um problema teu e tens a perfeita noção do risco que representa editar um livro para um mercado com tantos títulos a sair por ano. Eu conheço bem o mercado livreiro, sei que se vender mil livros já é um grande feito. Isso ajuda-me a ser menos arrogante e ambiciosa. Agora, ao nível estratégico, de escrita, não existe nenhuma vantagem. Quando tu escreves não podes pensar no público, no gosto do público e muito menos na receção da obra pelo mesmo público.
Há dois anos que este livro vem conquistando leitores, críticas e prémios. Alguns dizem que é pela escrita, segura e bem trabalhada, outros pelo enredo: a morte, essa tragédia que nos acontece a todos. Sente que transcreveu as agruras de todos neste Moçambique?
É assim: antes de publicar em Portugal entreguei o manuscrito aqui [em Moçambique] a alguns editores. De facto, houve um grande silêncio. Não consigo ainda hoje interpretar este silêncio. É difícil saber as razões do silêncio, porque não houve nem um “sim” e muito menos um “não”. Não leram? É uma interrogação que tenho. Leram e não gostaram? Leram e acharam que era um livro muito crítico em relação a certos aspetos da sociedade moçambicana e, por conseguinte, impertinente lançar? Eu só posso colocar hipóteses, não tenho nenhuma resposta.
E este silêncio ainda perdura, mesmo depois dos prémios?
Sim, o silêncio ainda continua. Houve algumas entrevistas feitas para a televisão, mas isto não significa um quebrar do silêncio.
São dois prémios muito importantes. O que representam para si?
No fundo, foi um apaziguar da dúvida que eu tinha: será que isto vale a pena? Será que isto já está acabado? Será que isto pode ter algum interesse para o público em geral? Portanto, o primeiro prémio vem validar o livro. Mostrou-me que o júri o considerou merecedor do prémio, dentre os 80 que concorreram. Este prémio é diferente, o prémio PEN clube português resulta de um concurso com outros escritores e livros considerados os melhores do ano. Portanto, isto tem outro peso, tratando-se de escritores já consagrados e muitos deles consagrados por vários prémios.
“Tornado” está também desde agosto na semifinal do Prémio Oceanos, no Brasil. Acha que vai vencer?
Sinceramente, não espero nada. Se vier será sempre uma boa surpresa, mas é melhor não esperar muito. Existe tanta gente com valor literário no meio destes prémios, o que torna todas as hipóteses incertas. A qualidade da obra em si não é tudo. Existem outros fatores que influenciam a escolha de um livro, como políticos, de género ou de interesse dos premiadores. Mesmo se o livro ganhar o prémio não podemos nunca dizer que é por ser o melhor de todos. Seria falta de humildade e de sentido da realidade. Muitas vezes depende de quem julga; do seu gosto, principalmente.
Já escreveu dois livros e ambos ganharam prémios. Como perspetiva a sua carreira literária?
Eu sempre escrevo, mas só publico quando acho que o livro tem interesse para as pessoas. Eu não publico só por publicar. Portanto, não estou muito interessada na história da carreira. Estou interessada na qualidade. Mesmo que estes prémios venham confirmar a qualidade – que é o que sempre quero –, eles não são o motor da escrita. Dá orgulho, mas não é o que te traz motivação. Pode trazer segurança, mas motivação é outra coisa.
É um livro que traz o lado oculto da sua vivência. Sente-se agora livre desses “demónios, e angústias do tempo”?
Eu acho que um livro deste cariz, íntimo, traz-te sempre uma certa libertação quando acabas de escrever. Porque se torna exterior a ti. É como uma coisa que já não te pertence. Liberta-te e já não te atinge. É o que sinto. É uma sensação estranha. Este livro tem agora uma vida própria.
É uma pessoa que sempre trabalhou com os livros – editando, traduzindo e escrevendo. É também casada com alguém que escreve e faz crítica literária. Como é a sua vida, principalmente com as suas filhas?
Eu sempre gostei dos livros, é quase um vício. E quando tu estás apaixonado por uma coisa, tu passas esse sentimento para as pessoas ao teu redor, de alguma maneira. Aos filhos, principalmente. Portanto, é uma coisa que se vai transmitindo, como uma herança. Agora, uma coisa é ser mãe, outra coisa é ser escritora. Em casa não falamos da importância da leitura, isso seria, certamente, contraproducente. O crescimento de um leitor tem as suas fases. Quando as crianças são pequenas adoram ouvir histórias, mas chega uma fase em que podem não querer ouvir falar de livros. Aí o conselho é deixá-los, sem pressões e sem ressentimentos, porque depois voltam. Se virem as pessoas de que gostam a ler com prazer, e se a leitura lhes proporcionou experiências gratificantes, voltarão aos livros.
Como tradutora, está a trabalhar atualmente em algum projeto?
Eu traduzo por gosto, por prazer. Penso um dia fazer disso profissão, porque eu gosto mesmo desta atividade. Sinto que a atividade da tradução me ajuda tecnicamente na escrita. A procura das palavras certas, o ritmo, a estrutura das frases, os diálogos, todos esses fatores técnicos são cruciais para a construção do trabalho literário pessoal.
“Eu sempre escrevo, mas só publico quando acho que o livro tem interesse para as pessoas. Eu não publico só por publicar. Portanto, não estou muito interessada na história da carreira. Estou interessada na qualidade.”
E como editora na EPM-CELP o que tem em mãos neste momento?
Nós vamos continuar a mesma linha editorial, editando livros infantis e juvenis. Temos alguns escritores que já nos têm procurado regularmente com propostas novas, como o Celso Cossa, o Pedro Pereira Lopes, o Mauro Brito e muitos outros. E ainda temos pessoas novas, como Nick do Rosário e outros com quem estamos a preparar a edição de novos livros.
Biografia
Teresa Noronha nasceu em Moçambique em 1965. Licenciou-se em Agronomia em 1986 pela Universidade Eduardo Mondlane e, em 1988, foi para França, Montpellier onde frequentou o mestrado em Desenvolvimento Rural. Em 1991, decidiu viver em Portugal, onde foi professora de Matemática, Ciências e Francês, em Lisboa e em Angra do Heroísmo. Começou a trabalhar como tradutora (1996) e, posteriormente, em edição de livros na Editora Fim de Século (1999) e Íman Edições (2000 -2004) de que foi uma das sócias fundadoras. Hoje trabalha como editora na Escola Portuguesa de Moçambique e é também professora de matemática e tradutora fre-lancer.