A manhã já tinha acordado em Vila Moringa! Moringa era uma vila como tantas outras vilas africanas: com casas, lojas, bancos, serviços públicos e muitos hotéis, porque era uma vila turística que atraía pessoas de todos os lugares do Mundo.
A manhã já tinha acordado em Vila Moringa! Moringa era uma vila como tantas outras vilas africanas: com casas, lojas, bancos, serviços públicos e muitos hotéis, porque era uma vila turística que atraía pessoas de todos os lugares do Mundo.
O que a tornava diferente e especial era aquele imenso Mar com quem, um dia, casou. Tiveram cinco filhas, Nkacana, Tseke, Nhangana, Mboa e Matapa, as maravilhosas ilhas do arquipélago de Nkacana.
Naquela manhã, que já tinha acordado, Moringa e o Mar também despertaram.
Já se ouviam os pássaros a chilrear e os galos da vizinhança faziam có-có-ró-có-có, anunciando o fim da noite e o começo do dia.
As lojas, os bancos e todos os serviços abriam as portas para servir os habitantes da vila e os barcos partiam para a pesca, iniciando a travessia para as ilhas sobre um mar que ainda espreguiçava.
O Sol já fervia, lançando chuvas de estrelas douradas e brilhantes. Eram elas que acordavam, todos os dias, a Vila e o Mar. Mas, quando o Sol estava mesmo exausto e resolvia descansar, pedia às nuvens que o escondessem e que presenteassem a Natureza com a sua magia. Então, as nuvens faziam cair gotas de água que esverdeavam a vegetação da Vila e escureciam a água do Mar.
Naquela manhã, que ainda despertava, N’wana surgiu de um carreiro estreito que ligava a Vila à praia e, sem esperar que o Mar acabasse de espreguiçar, atirou-se à água dando braçadas em direção ao barco do pai.
Da areia ainda molhada pela maré cheia da noite, o pai gritava: - N’wana! – N’wana quer dizer filho; o filho único, o “fiel escudeiro” do pai - Puxa a corda! E N’wana nadava e mergulhava, procurando a corda. Apanhou-a e puxou a âncora, soltando o barco.
Seguindo sempre as instruções do pai, trepou rapidamente para o barco e com uma longa cana fê-lo andar levemente sobre o Mar, ancorando-o em frente ao carreiro estreito de areia que ficava a uns trinta metros do lugar onde o barco passara a noite conversando com a Lua e com as estrelas.
N’wana tirava a balde a água que, durante a noite, saltara do Mar para se aconchegar no interior do barco, enquanto o pai, já sem camisa, percorria o Mar a pé para o ajudar.
Assim que o pai alcançou o barco, N’wana largou o balde e começou a soltar as cordas que seguravam a vela ao mastro. Com gestos bruscos e superiores à força de um menino de 12 anos, o pai soltou a vela e içou-a para que ela guiasse o barco ao sabor da ventania.
Chegara a hora de partir! N’wana e o pai iam pescar no alto mar, lá para os lados da Ilha Nhangana. Da praia de Vila Moringa, avistava-se, ao longe, a Ilha. Era parecida com o primeiro desenho do Principezinho: “… uma jiboia a fazer a digestão de um elefante.”
N’wana puxou a corda que ancorava o barco, enquanto o pai segurava o leme. E partiram, rumo a Nhangana, bolinando sobre a calmaria do Mar que parecia dividido em fatias de cores diferentes; ao longe, o azul-escuro misturava-se com a areia amarela e do seu casamento nascia um verde-esmeralda que se prolongava até à beirinha, terminando com uma ténue espuma branca que batia em pequenos corais mortos pelo tempo.
Bolinaram, bolinaram, bolinaram e desapareceram por entre as chuvas de estrelas douradas que caíam do Sol. E quando as estrelas deixaram de cair, ao entardecer, N’wana e o pai regressaram a Vila Moringa, trazendo o barco carregado de peixe.
Ancoraram-no à beira mar, descarregaram o peixe e estenderam-no na areia da praia. As mamanas de Vila Moringa, na sua maioria mulheres de meia-idade, já os esperavam com grandes bacias à cabeça. Compravam ali o peixe para, depois, revenderem no Mercado da Vila.
N’wana pousou o equipamento do “fiel escudeiro”, tirou a camisa e deitou-se na areia da praia. Enquanto o pai vendia o peixe, N’wana brincava com os filhos das mamanas. Rebolavam na areia quente e depois corriam para o mar; mergulhavam como pequenos golfinhos, chapinhavam e faziam acrobacias na água.
Depois, voltavam para a areia num ritual solitário. Cada um secava a água do mar como queria: olhando o céu, as gaivotas famintas, dormitando, pensando, imaginando, sonhando…
N’wana fechou os olhos e recordou o dia, saboreando o Sol e a brisa do Mar. Estava exausto! Queria retomar o caminho estreito para a Vila Moringa e rever a mãe, que certamente o esperava junto à bacia grande para lhe tirar o sal do mar com sabão e água aquecida na lenha.
Aquela mesma lenha aquecia, depois, a refeição do dia em família. O pai recolhia-se logo após a última garfada, cansado que estava das ondas do mar, e a mãe acompanhava-o para o ouvir falar dos peixes que tinha pescado e do valor que conseguira trazer para casa.
N’wana ficava mais um pouco junto à fogueira, ouvindo as histórias do avô que começavam sempre assim: - Karingana Ua Karingana, ÁFRICA…
Maio de 2020