Miséria de estimação
Nações que, aliás, não acreditam nesta bacoca predestinação, não se refugiam na certeza do futuro ou na inviolabilidade do destino, do qual não podem escapar. Estados que trabalharam, trabalham e trabalharão para se afirmarem junto dos seus pares. Países que se tornaram nos fortes pilares da construção que é o nosso frágil planeta.
E há os outros, os frágeis, românticos e tísicos, que se deixaram, há muito, vencer pela inanição, pelo peso das responsabilidades que abominam, pelo esforço que desprezam, pelo trabalho que maldizem. Dos tórridos trópicos à charneira do mais fértil Crescente, passando pelos domínios dos Incas e Aztecas, há que constatar esta triste, mas aterradora, verdade: boa parte do Hemisfério Sul, tombada sob a sua própria gravidade, não mais faz que parasitar, com a sua passividade e amorfismo, os seus vizinhos setentrionais.
Aliás, transportando esta tendência para o contexto europeu ou americano, rapidamente se constata esta fraturante cisão entre um norte rico, próspero, desenvolvido, trabalhador e metódico e um sul mais expansivo, subjetivo, buliçoso, atrasado e caótico. Diriam os observadores mais desatentos que esta evidente corrupção das mentes e das vontades se explica com a ação da temperatura e com o Sol tropical e mediterrâneo, exponencialmente mais convidativo ao ócio e à descontração do que as frígidas neves do norte. Trabalhar só serve para aquecer, atalham eles, inchados de piedade para com os seus exóticos "desgraçados de estimação", passando-lhes, fria e brevemente, a mão pelo metafórico pelo que lhes imaginam.
Ninguém parece constatar o óbvio, que já os antigos apregoavam: todos estes presumidos, caridosos de pacotilha, verdadeiros "hipócritas entre as nações" apenas se servem a eles e ao seu gigantesco ego quando abrem a generosa bolsa sobre os seus protegidos. Apenas prolongam os vícios dos preguiçosos que alimentam. Apenas condenam homens, famílias, povos e continentes inteiros à mais profunda miséria. Sem cedermos a cana e ensinarmos o outro a pescar, apenas o podemos suprir a curto prazo, nunca a longo. Apenas aliviamos o sofrimento momentâneo dos desgraçados a que acudimos, tornando-nos num mero paliativo para séculos de sofrimento e fome, que se prolongarão eternamente.
Posto isto, vamos mudar? Vamos ajudar os mais fracos, necessitados e desprotegidos a simplesmente terem uma oportunidade de sair do ciclo vicioso em que se instalaram?
Qual quê!
A quem adiantaria retirar estes infelizes da miséria? Qual o valor destes pobres ignorantes, quando comparado com o capital mediático de uma visita de um qualquer político a um campo de refugiados? Quantas santas almas cristãs seriam atormentadas pela ausência do seu pedinte de domingo? Quantos sindicalistas cairiam no desemprego com a extinção dos principais alvos de ataque do "capital"? Para quem se virariam os inúmeros institutos, gabinetes e fundações que fazem do seu principal - e único - objeto de estudo justamente o mesmo que alegam combater?
Mundo hipócrita, mundo cão!