Apologia ao Ocidente
Interessantemente, um século após o surgimento da ciência pós-moderna e quase meio século volvido desde a postulação das teses de Popper e Kuhn, ainda são inúmeros - atrever-me-ia a considerá-los mesmo a maioria - os fiéis do cientismo, adoradores da indubitável e infalível verdade científica, incensadores da negação da utilidade da criatividade na criação do saber e seguidores da visão objetiva e metódica da Ciência e do saber. Destes, raros serão os que não advogam o ensino Oriental, baseado na repetição até à exaustão e no desenvolvimento da memória e do método levado ao extremo. Raríssimos os que não abominam uma escola mais aberta à criatividade, à experimentação, à lógica e à socialização. Cento e cinquenta anos após a morte de Comte, continuam a advogar um neopositivismo tão radical e cego que decerto até Stuart Mill se envergonharia.
Há muito que esta visão se antiquou: uma sociedade preparada para o futuro não se pode entregar ao dogmatismo a que este "decoranço" convida, não pode basear-se numa atitude acrítica e indutiva, como esta escola convida. O ensino oriental peca exatamente por isso: não desenvolvendo o espírito crítico e a capacidade de individualização e subjetivação do conhecimento, cria e educa Homens preparados para seguir e não para liderar; cientistas formatados para repetir e não criar; técnicos centrados na simples rotina das suas vidas, ao invés de, como é procurado no ocidente, fomentar a inovação e a novidade.
Não devemos jamais cair no oposto, na banalização da memória e da valorização dos milénios de saber acumulado sobre o qual observamos e analisamos a Natureza e o Mundo em nosso redor. Isso seria quase a impossibilidade da construção de novo saber, a negação da necessidade de bases sobre as quais continuamos a construir o nosso saber e, mais perigoso do que tudo, a abnegação do conhecimento, num ceticismo absoluto que nos congelaria numa nova Idade das Trevas. Contudo, há que procurar reduzir ao mínimo a carga teórica do ensino, dando espaço e promovendo a iniciativa individual, livre e espontânea.
O famoso "thinking out of the box" é um bom exemplo do supracitado: do "post-it" aos veículos elétricos, do micro-ondas às inúmeras inovações decorrentes da impressão tridimensional, é no ocidente que se procura dar resposta a grandes problemas com ideias simples, porém brilhantes e inusitadas, como defende o princípio da Navalha de Occam. Raras são as criações que provêm do oriente, demasiadamente focado em compreender o que já foi produzido, eventualmente melhorá-lo, mas sempre dentro da sua zona de conforto criativa.
Convido-vos a último exercício: reflitam na distribuição mundial dos vencedores do prémio Nobel e não verão nada mais do que um holofote focado na Europa, um foco na América do Norte e um pirilampo no oriente. Analisem o número de patentes registadas por país e saltar-vos-á à vista uma omnipresença do velho continente e da nova "Terra de Oportunidades"... e uma quase nulidade no oriente. Procurem pelas democracias mais funcionais, com maior participação cívica e maior liberdade de expressão e opinião, e serão encaminhados para os mesmos exatos locais.
Tudo isto me, nos, vos deve bastar para uma simples conclusão: não, não estamos a ser ultrapassados, nem sequer deixados para trás pelos orientais. Não, não devemos redirecionar os nossos esforços e a nossa atenção para a mera memorização do que os outros criam, descobrem e inventam. Na essência, o Homem é um ser criativo. No fim, o sentido que devemos dar à nossa vida pode ser esse mesmo: criar, inovar, abrir os horizontes e navegar pelo desconhecido, sem receio de arriscar e de remar contra a corrente. Nobre e honrado, creio mesmo ser este o sentido que nos permitirá, que nos concederá a transcendência a que sempre aspirámos.