Mal ou bem, a Democracia tem-se mostrado à altura dos acontecimentos, das inúmeras crises que tem atravessado e, bem ou mal, tem propiciado uma prosperidade inédita a um número cada vez maior de homens e mulheres. Só isto, aliado a uma tentativa pura de colocar ordem num mundo que naturalmente se deixaria governar pela Lei do Mais Forte, já é motivo de celebração. Mas não basta. Aliada à Democracia dos Helénicos, os antigos Romanos e Judeus legaram-nos uma Tábua Valorativa, de moral judaico-cristã, que ainda hoje sustenta os pilares do nosso edifício sócio-cultural, mantendo de pé uma sociedade que, bem ou mal, se encontra na vanguarda mundial em todas as áreas. Ora, é justamente esta série de princípios ético-morais que é agora posta em risco, pela ascensão dos movimentos a favor da liberalização do aborto, pela legalização de um homicídio premeditado e meticuloso e pela legitimação do Poder do Mais Forte sobre o mais fraco.

Cada um de nós terá, para si próprio, uma lista de valores, princípios e ideais que associa à Democracia. Para mim, esses princípios são três: Liberdade, Justiça e Direito à Vida. Todos eles, por sinal, ameaçados por esta nova força negra, que procura reduzir um ser humano a um conjunto de células, a uma data, a uma vontade, a um destino inevitável que apenas servirá para tranquilizar a consciência inexistente de tantos inconscientes que pululam no nosso mundo.

Questionarão, porventura estarrecidos, de onde me veio fôlego e vontade para tão inflamada crítica a um sistema que já há tantos anos se mostra patente na vida pública, com uma quase monopolização do tempo de antena e das mentes dos "opinion makers" que nos povoam os serões ad desesperum. Pois saibam que, esta semana, o governo Espanhol acabou por retirar o projecto de lei relativo à reforma da facilidade com que as mulheres poderiam abortar. Em vez de uma mudança brusca e determinada rumo à legitimação do direito à vida das futuras criança, o Executivo Espanhol acabou por ceder à pressão da opinião pública - ou de quem a manipula - oposição socialista, responsável, aliás, pela anterior revisão da lei, precisando, além disso, de ganhar urgentemente votos para impedir a secessão da Catalunha, votos esses que uma questão tão fraturante como esta certamente repeliriam. De uma legislação que dificultaria ao máximo ou ilegalizaria a quase totalidade deste covardes atos, a nova proposta passa a ser uma revisão semântica e estética do anterior documento, no que já levou à demissão do Ministro da Justiça Espanhol - diga-se de passagem, o único membro do governo de Rajoy com vergonha na cara.
Que existem diversos grupos a advogar o aborto, bem sei. Que outros, mais ousados, o considerem mesmo um método contraceptivo, compreendo ou não estivéssemos na geração do "fast thinking" da "fast food", da desresponsabilização elevada ao expoente máximo ou dos terroristas que em tal se tornam por mero tédio e falta de oportunidades. Compreendo, mas não aceito.

Agora, que os dinheiros públicos, o Orçamento de Estado e o Serviço Nacional de Saúde paguem abortos mensais a mulheres que deles se servem para transformar uma vida humana numa simples pastilha elástica, não creio que alguém com princípios possa aceitar. Que o direito à vida daquelas crianças (chamem-lhes o que muito bem entenderem, a partir da fecundação, o ovo é um ser humano, que deve possuir plenamente todos os direitos que tal estado confere) lhes seja bárbara, cruel e impressionante retirado, apenas para se corrigir um acaso, para se desresponsabilizar os eventuais futuros pais, por ter sido "fora do timing ideal" - como se tal temporização alguma vez pudesse ser claramente definida - por não haver noção de "família" entre os cônjuges - num claro erro de interpretação da sequência de causa - consequência da formação de uma família, muitas vezes apenas possível com o nascimento de um elo de ligação entre duas pessoas que, com ele, aprendem a ver-se de um modo diferente, a entreajudarem-se e, principalmente, a darem um pouco mais de si próprias ao outro - ou por interferir na vida profissional do casal - o que, ultimamente, sendo uma verdade parcial, tem vindo a ser combatido por diversas empresas, que pretendem uma maior divisão dos encargos da maternidade, procurando um papel mais ativo do progenitor no período pós-natal.

Terminando, questiono: como podemos nós, tão humanistas e altruístas com os necessitados, permitir esta cobarde, velada e sombria violação dos maiores, dos únicos direitos destes indefesos feijõezinhos? Como podemos considerar-nos suficientemente poderosos para negar a vida aos nossos filhos? Como continuamos a acreditar nesta perfídia, meticulosamente montada para fazer desabar o último sustentáculo da nossa sociedade, a família? Como podemos negar a justiça a estes seres indefesos, a justiça de poderem ver a luz do dia, de poderem gritar a plenos pulmões, de poderem crescer fortes e vigorosos, de poderem eles próprios ter filhos e envelhecer, rodeados de uma família que os ame? Será que a falta de valores da nossa sociedade já atingiu o ponto sem retorno, em que uma promoção, um subsídio, um ano de trabalho, um aumento de salário valem mais do que uma vida, um filho, um berço, um futuro, um sorriso? Será que, para o nosso mundo, importa mais o possível rendimento perdido pelas empresas em quatro meses de licença do que os risos, os gritos, a vida com que as desafortunadas vítimas deste infanticídio encheriam a nossa crescentemente grisalha existência?

Para os mais interesseiros, insensíveis e avarentos, acham mesmo que serão os abortos a pagar as vossas pensões, a assegurar a vossa subsistência na velhice, a ajudarem-vos na necessidade, a estenderem-vos uma mão amiga quando dela mais precisarem?

Será que as associações feministas e companhia limitada ainda não viram o quadro inteiro à sua frente? Será que ninguém lhes diz que ou retrocedemos ao modelo social, demográfico e moral que distinguiu a nossa Civilização, que destacou o Ocidente, ou dentro em pouco estão sob alçada de um qualquer fanático, escravizadas sob uma burkqa de opressão, desrespeito e desigualdade eterna?

Julgam que abortar é digno, corajoso
Mas ainda me hão-de dizer, espertos e agudos
Enquanto estes já cá andam, num jocoso
Quem os defende àqueles, inermes e mudos

Miguel PadrãoMiguel-Padrao

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