Com o apoio destes mal intencionados atores, com a sua cumplicidade e os seus rublos, dinares e pesetas se foram atiçando nacionalismos perigosos e imprestáveis um pouco por toda a Europa, propagando a mais abjeta visão do islamismo, radical, cego e surdo, pelo Médio Oriente, instituindo a descriminação da discriminação étnica no Sahel e no centro de África. Graças sejam dadas a estes orgulhosos ígnaros, louvores atroem pelas paredes dos faustosos palácios que as suas fortunas compraram, pois jamais se desvanecerá esta sua potente força, nem nunca se desmoronará o intrincado castelo de cartas que têm, contra o bom-senso e a razoabilidade, vindo a construir.
Não nos iludamos, que os tempos não são de sonhos esperançosos, de esperanças vãs ou de vanidades despropositadas e xenófobas: o mundo, como o conhecemos, apresenta-se para o século XXI como 1912 se apresentava para o século XX. De um lado, a Entente Cordiale, Estados Unidos da América, Reino Unido, União Europeia, a restante NATO e os aliados pacíficos dos norte-americanos, procuram defender a democracia e o Ocidente, com toda a moral e ética que a ele associamos. Do outro, as emergentes potências centrais, o "eixo do mal", China e Rússia, juntamente com os aliados regionais de cada um, procuram tomar um papel cada vez mais incontornável e intocável no plano internacional.
Creio ser uma importante experiência, um revigorante exercício, a leitura do seguinte texto: "Há na Europa duas grandes forças opostas e irreconciliáveis, duas grandes nações que procuram estender o seu campo de acção a todo o Mundo e impor-lhe o seu domínio comercial. O Alemão e o Inglês esforçam-se por chegar cada um em primeiro lugar. Um milhão de pequenas minúsculas disputas estão à beira de transformar-se na maior causa de guerra a que o mundo alguma vez assistiu. (The Saturday Review, 11 de Setembro de 1897)"
De seguida, substituamos subreptícia mas despreocupadamente toda e qualquer referência a alemães e ingleses e substituamo-la por americanos e chineses. Qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência, mas é exatamente esta coincidência que nos deve aterrar. Os Balcãs no Médio Oriente. A Alsácia e a Lorena no Mar da China. Ou antes, o Mar do Norte no Mar da China e talvez a Alsácia na Ucrânia e a Lorena entre o Paquistão e a Índia. A Polónia no Curdistão. E a África...bem, a África no preciso e exato mesmo sítio. Há sempre uma vantagem em estar no mesmo sítio. Nestes momentos, a vantagem é o dejávu.
Entretanto, os americanos começaram a explorar Gás de Xisto, ameaçando o monopólio mundial da OPEC, o cartel exportador de petróleo, gigantesco grupo de pressão internacional que reúne boa parte da capacidade produtiva internacional e, conjuntamente com as sucessoras das "Cinco irmãs" - mega-corporações petrolíferas como a britânica BP, a Holandesa Shell, a Francesa Total, as Americanas Chevron e Exxon Mobile ou a chinesa Sinopec - já provou ser um dos dois únicos setores com capacidade de arrastar o mundo para uma recessão económica.
Dentro da organização soaram feras, íngeras e tementes as trombetas sauditas, que impuseram uma manutenção da produção petrolífera, esperando inundar o mercado com óleo barato, cortando as pernas aos produtores norte-americanos do Texas e do Dakota do Norte antes destes se tornarem rentáveis ou sequer pagarem os investimentos nos atuais poços. Não obstante, apesar do reino Islâmico estar relativamente abonado, com fundos para manter o orçamento de estado por dois anos, os seus principais associados não estão assim tão confortáveis, financeiramente falando. Com a Rússia a necessitar de financiar as aventuras externas de Putin, os seus crimes ucranianos e as subsequentes sanções Ocidentais e a cair brevemente numa duríssima recessão de perto de 5%, com o Irão acossado pela pressão do bloqueio às suas aspirações nucleares, com a Venezuela a cair na anarquia, em recessão técnica e com inflações a superar os 60%, só este ano, fugindo das ténues e impotentes mãos do verde Maduro, com um Iraque de espinha partida, sangrado por curdos e radicais islâmicos, cuja entrada em Bagdade apenas foi evitada pela coragem dos peshmerga e pelo poderio bélico americano e europeu; com tudo isto e com os cowboys americanos a rirem para o lado, a União Europeia e o Japão a aliviarem a balança de importações, embora ameaçados pelo fantasma da deflação e a China a, pura e simplesmente, agradecer e bater palmas de pé, a pressão em Riade deve ser, atualmente, quase insustentável.
Duma média de 115 dólares em Julho, o crude (tanto o americano como o londrino) negoceia hoje abaixo dos 60 dólares, aproximando-se, precipitado, para a barreira dos 50, ponto nevrálgico que, a ser ultrapassado, pode obrigar a ações determinadas pelos sauditas, dentro e fora da OPEC, com vista a regular proativamente um mercado que, com a retoma mundial ainda frágil e palpitante, não julgo ser capaz de aumentar a procura até níveis pré-crise,pelo menos não por mais alguns anos. Até aí, até cair o dominó dos 50 dólares, todo o resto do tabuleiro abanará e, a não ser atempadamente socorrido, tombará inexoravelmente.
Já começou em Cuba, que se rendeu às evidências, após 60 anos de ostracismo auto-imposto, não pela perseverança de Obama, não pelo liberalismo de Raúl Castro, nem pela intervenção atempada e importantíssima do Papa - que, contudo e aliás, já louvei e volto a agradecer - mas sim pelo simples e óbvio encerramento da torneira venezuelana de petróleo que, trocado por alguns milhares de médicos, professores e funcionários cubanos, continuava a manter a máquina de cuidados continuados em que a ilha caribenha se tornara. Progrediu para o "near abroad", denominação putinista do bloco de aliados e protegidos que, regados com o dinheiro dos oligarcas russos, enfrentam hoje o aquecimento global, o derretimento das suas ambições e a esterilização das suas economias subsidiodependentes. Atingirá, por decerto, os rebeldes ucranianos e a Síria de Assad, que apenas o apoio russo e iraniano mantém de pé.
E, fora isso, mudará para sempre e de formas ainda incertas e indeterminadas, o balanço de poder, não só na Eurásia, mas em todo o planisfério. Agora, e utilizando a mais comum e apreciada metáfora do nosso já conhecido Secretário-Geral do Comité Central do Partido Comunista Soviético (sic), Vladimir Vladimirovich Putin, o urso, depois desta "bear position" dos mercados, dos políticos, da economia e dos investidores face aos exportadores de petróleo, no geral, e à Rússia, em particular, alguém está a precisar dum abraço de urso...
Miguel Padrão (12.º A1)