O grupo de alunos da disciplina de História de Cultura e das Artes da Escola Portuguesa de Moçambique – Centro de Ensino e Língua Portuguesa (EPM-CELP) concluiu, ontem de manhã, o conjunto de aulas práticas em torno da exposição “Objectos em Trânsito”, dissipando dúvidas sobre o processo de inspiração, intenção, criação e contextualização da obra, bem como os desafios que o autor, João Roxo, encontrou para a sua efetivação. O encontro, que colocou os estudantes na posição de entrevistadores e o artista como principal fonte, em formato de conferência de imprensa, ocorreu na nossa Escola e contou com a colaboração do Núcleo de Informação e Comunicação (NIC).
Inserida nas aulas práticas de contextualização sobre a realidade moçambicana, a visita à exposição “Objetos em Trânsito”, realizada no passado dia 31 de outubro no Camões – Centro Cultural Português em Maputo, onde os alunos descortinaram as mensagens implícitas num embrulho de roupa usada, em vários jornais escritos sob signo da contestação e outros objetos, bem como questionaram o valor conferido à arte pela sociedade, tanto pelo criador de obras como pelo público fruidor.
Após a apreciação das obras e a problematização do tema da aula “A criação artística: divulgação e consumo”, ontem os alunos colocaram ao artista questões relacionadas com o processo de criação, desde a colocação do panfleto da exposição, passando pelos temas dos debates realizados no decorrer da mostra, bem como da contextualização para permitir a simplicidade na comunicação e a interação criador-público, tendo em conta que as obras foram expostas primeiramente em Amesterdão. Em resposta, João Roxo assumiu ter havido uma diferença recetiva e crítica entre o espetador do hemisfério norte e o do hemisfério sul devido, em parte, à sensibilidade e posição próprias de cada latitude cultural. Por exemplo, a exposição reflete uma visão de “burla” na doação de roupas das “calamidades” que é comum aos países doadores e doados, distorcendo, a jusante e a montante, a genuinidade dos sentimentos e emoções das pessoas que dão e das que deveriam receber as referidas roupas.
Distintas questões de caráter técnico colocadas na “conferência de imprensa” cingiram-se a interpretações do valor da arte dentro e fora das galerias, da criação e da escolha de artigos jornalísticos montados em jornais que sustentaram a visão da exposição de João Roxo. Este, respondendo, argumenta que “uma das questões que me colocaram durante a exposição foi a falta de enquadramento para cada uma das peças, uma vez que a interpretação do público era oposta à minha intenção como autor. A mim isso não me faz confusão, porque sinto que, quando vais a uma galeria, tens duas opções: apreciar uma obra com uma justificação integral da intenção do artista ou a mesma estar desprovida de qualquer fundamentação”.
Sobre a conceção dos jornais repletos de artigos com caráter contestatório e que abrem espaço para críticas e reflexões sobre a história e as doações em África, João Roxo explicou que alguns logótipos são reais e, visualmente, surgem da comunicação informal que se assiste no mundo, particularmente em Moçambique. “O que define a nossa identidade não é o que está ao nosso alcance. No fim andamos todos pela cidade e somos influenciados pelo que vimos. Por exemplo, os folhetos que estão colocados nos postes da cidade, os que nos são distribuídos nas ruas ou os painéis que vemos nas lojas, todos eles, ou na sua maioria, são feitos por pessoas que não têm uma formação de designer”, defendeu o artista, embora, às vezes, acrescentou, “sejam eficazes na mensagem”.
João Roxo, esperançado quanto à quebra de paradigmas segundo os quais a arte é para os intelectuais e pseudointelectuais, quer colocar as suas obras em trânsito nas zonas suburbanas de Maputo, indo ao encontro, assim, dos que também delas precisam. “Estou interessado em transitar a exposição daquele contexto de galeria para um outro local, não institucional. Acho que o próximo passo é sair do centro para a periferia”, revelou João Roxo.
“Objectos em Trânsito” resulta do trabalho desenvolvido pelo artista e designer João Roxo no âmbito do mestrado que realizou no Departamento de Design do Sandberg Instituut, em Amesterdão, o qual foi adaptado à galeria do Camões - Centro Cultural Português em Maputo.
João Roxo frequentou a EPM-CELP no início da década de 2000.