“O menino que odiava números”, livro do escritor moçambicano Celso Cossa e editado pela Escola Portuguesa de Moçambique – Centro de Ensino e Língua Portuguesa (EPM-CELP), marcou, na noite de ontem, uma viragem nas distinções literárias e na valorização da literatura infantojuvenil em Moçambique, ao vencer a nona edição do prémio BCI de Literatura 2019, suplantando dezenas de obras de escritores nacionais consagrados. O anúncio foi feito pelo presidente do júri, Jorge de Oliveira, em cerimónia realizada no Auditório do BCI, em Maputo.
Dirigindo-se ao público, o vencedor do prémio – que amealhou 200 mil meticais – narrou episódios demonstrativos da desvalorização da literatura infantojuvenil, tanto no seio dos escritores como do público. “Recordo-me que, num destes dias na AEMO (Associação dos Escritores Moçambicanos), em conversa alguém me perguntou quando eu escreveria novo livro, a quem respondi que já tinha dois escritos. ‘Tu escreves para crianças. Tens de escrever para adultos’, respondeu-me, então, a pessoa”, contou Celso Cossa, sublinhando que o prémio “veio mesmo a calhar porque mostra que escrever para crianças é também escrever. E escrever para crianças é muito mais importante do que escrever para adultos, porque os adultos nunca deixam de ser crianças”.
A obra “O menino que odiava números”, ilustrado por Luís Cardoso, rompe um cenário de carência e desvalorização do género infantojuvenil a que o cenário literário nacional esteve sujeito durante anos. E Celso Cossa não tem dúvidas de que a premiação vem criar uma inclusão e valorização das artes e letras em detrimento de rótulos padronizados. “Não conheço nenhum país no mundo onde um livro infantojuvenil tenha ganho o espaço do melhor do ano. Então, agradeço a todos que me ajudaram, aos meus amigos, porque isto é um movimento”, declarou o autor.
Jorge de Oliveira, presidente do júri, afirmou na cerimónia do anúncio que o livro cria “um universo simbólico dos números que espelha uma escrita alicerçada na estética e inovação, o que resulta num efeito diferente da simbologia dominante na literatura moçambicana, desde os primórdios até ao tempo presente”, acrescentando que Celso Celestino Cossa “mostra que a sua aposta na literatura infantojuvenil veio para ficar, resultando daí que ´O menino que odiava números´ mostre um autor comprometido com a formação de leitores por meio da palavra literária”.
“Este prémio valoriza a literatura para crianças”
O livro “O menino que odiava números” foi publicado em outubro de 2019 sob a chancela da nossa Escola. De acordo com Teresa Noronha, responsável pelo setor de publicações da EPM-CELP, independentemente do valor do texto, o prémio significa uma valorização da literatura para crianças, num país onde a literacia é, e deve ser, uma aposta importante.
Relativamente ao espaço que a literatura infantojuvenil ocupa no contexto das letras em Moçambique, Teresa Noronha acredita que o autor deve escrever o que lhe vem da alma, “porque a escrita deve ser um processo que vem de dentro para fora e não uma coisa imposta de fora para dentro”. Particularizando, acrescentou que “se o Celso se sente confortável em escrever para crianças, acho que é uma aposta válida. Há grandes escritores que escrevem apenas para essa faixa etária. Não me parece que seja uma escolha menor. Não há um único modelo. O Celso é que deve encontrar na escrita o lugar onde se sente confortável”, sensibilizou Teresa Noronha.
Refira-se que, a partir de 2021, o prémio BCI de Literatura passa a ter mais duas distinções: uma menção honrosa e um prémio revelação.