Sangue e lágrimas a haver
Umas esperançosas mãos de criança
Que um dia as saberão num saber
Decorado e salteado, com a inocência
Costumeira, despojada da pujança
É a filha da dor, do esforço salgado e premente
Da dureza do tempo, da força da corrente
Muitos anos passaram, muita alma finou
Das mãos de criança, nem memória ficou
Agora, homem marinheiro, parte para sempre
Parte para longe, ao longe gente vê
Gente que fica e vai, Gente que para e passa
Gente de olhos baços, Gente de alma lassa
Gente já Velha, Gente que se encosta e chora
Gente que Ri e Goza, Gente que cora
Há a Gente que vai e a que fica,
Há a Gente que vai sem voltar
Há Gente que sequer pensa na partida
Há quem jamais recorde o largar
Há os que nunca chegam ao destino
E os que eternamente se conservam a velejar:
Sempre houve um mais expedito ou despegado
Sempre houve um pôr do Sol sonhado
Não os houvesse e não nos poderíamos orgulhar
Não haveria o Mundo, e o Mar
Longe de todos, no seu repousar
Pareceria mais misterioso, no seu ressonar.
O que somos devemos-lhe louvar
A sua ínclita memória para sempre evocar,
Que não caiam no inglório esquecimento
Os Heróis que urge e m'impele hoje cantar
Que dos egrégios antepassados
Jamais nos possa Lete esquecer
Que hoje é tempo de festa, de passado
Para que o que aí venha sequer a ser
Não se esqueça o velho, inda o novo
De infante e verde periga a torcer
Quem tenta apagar o tempo, nele se perde
Perde-se para sempre e para todos, sem nunca se conhecer
Tenho para mim a conceção
Da insofismável verdade evidente
Mais do que certa, sem objeção
Mais do que possa este pobre canto corrente
Ajudar a altear esta Nação, bruma no ar
Que o qu'inda há de vir só sorrirá
Que o rapaz, feito homem, só retornará
Se essa mesma Pátria o seu filho aceitar
Perto e longe, exemplos sem faltar
De orgulho na História, gozo no passar
Pois só quem a não fez não na receia errar
Num dos infindáveis, incontáveis fios de tear
que de Calíope ocupam a Ambrósia no fiar
Longe e perto, nunca escassas
Chovem sonoros, vivos louvores e graças
No que a nós a vergonha tende a tapar
Mude-se a alma, exorcise-se a noção
Que de inferiores e fracos jamais podemos passar
Nós, filhos da Coragem, netos do Mar
Domadores de ondas, iguais do Sal
Descobridores de mundos, conquistadores sem par
Dobradores de Cabos sem nunca dobrar
Cerre-se o terror do insensato aviltamento
Que Portugal quer Começar
Miguel Padrão

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