Desculpem se vos ofendo
Que ofender-vos não será
De todo o que intento
Mas sei decerto se dirá
Que suja e injusta acusação
A vós foi por mim dirigida
E, rolando, torpe e imunda
Sem porquê nem razão
Agiganta-se e, ofensa crescida
Torna a conversa infecunda
Desculpem se vos ofendo
Mas a Verdade é para dizer
Por mais que arda, doendo
Dói hoje p'ra após não sofrer
P'ra que não se corrija o errado
P'ra que se emende o querer
E querendo não se consiga
Não se-nos abandonemos ao fado
De estar sem sequer ser
De calar esperançosa cantiga
Desculpem se vos ofendo
Mas não posso evitar
A vida são dois dias e não fendo
Na minha intenção de alertar
Se me calo consinto
E para consentir não cá estou
É para alertar quem ainda pensa
Fazer sentir o que sinto:
Que algo de mal se passou
Que alguém escondeu a encrença
E continua, triste vagueante
Esperando um porto seguro
Difícil é o retorno expectante
mas alimenta-se o sonho obscuro
De voltar, lá para o futuro
Num trono de imaculado marfim
Recoberto das ricas, podres pedrarias
Que iluminam todo o escuro
Que nos guiam para o nosso fim
De ígneas, brilhantes cantarias
Do mais rico metal e mineral
Dos prazeres a que se nega
Um homem cansado, peregrino
Realista esclarecido terminal
Que aqui se vai, se entrega
Ao seu espectável, frio destino
Sob o jugo da facilidade
Jamais tornou a emergir
Ficou apenas um manto de idealidade
Uma chave para o advir
Miguel Padrão