O mundo não é um local seguro. Não o será no futuro, nem o foi no passado; ainda menos o é hoje, devido à crescente globalização, não só do lucro fácil, da facilidade de acesso à informação ou do progresso científico, mas também do extremismo religioso, das afirmações irrefletidas, dos ódios de estimação. Daí a justificação da necessidade - por vezes paranóica - da segurança externa e interna dos responsáveis norte-americanos, cujo lugar preponderante no comando do auto e hetero proclamado "Ocidente" implica serem tidos como alvo preferencial de anarquistas, terroristas e outros indivíduos, cujo objetivo é apenas a continuação do ódio e do medo entre irmãos. Mas não nos enganemos.
A 14 de abril, engenhos explosivos deflagraram em Boston, Massachusetts, durante uma maratona desportiva, ceifando a vida a três inocentes, num dos atos terroristas mais bárbaros - se é que os podemos assim classificar - dos últimos tempos, numa imperdoável demonstração de uma falta de consciência moral e da tentativa humana de atingir determinados fins sem olhar aos meios utilizados.
Imperdoavelmente rancorosa e persecutória foi também a caça às bruxas subsequente, levada a cabo pelas autoridades norte-americanas e pelos media, que se pautou pela publicação de fotografias de suspeitos inocentes, comentários xenófobos e racistas por parte de um editor e comportamentos que trouxeram ao de cima o pior da sociedade norte-americana e fazem temer um recrudescimento da antipatia ianque face aos estrangeiros - em particular árabes -, terminando com a morte de um dos suspeitos e uma caça ao homem copiosamente seguida pela comunicação social, na qual Boston foi encerrada, enclausurada, isolada do mundo exterior para se conseguir proceder à captura do segundo suspeito, por sinal um rapaz de 19 anos.
Esta atitude permite-nos constatar um facto, menos mediático, mas igualmente pertinente e controverso, que se refere à disparidade de tratamento por parte dos políticos norte-americanos entre as ameaças externas (e o bode expiatório que é o terrorismo) e o barril de pólvora interno, que ninguém ousa destapar e permite ser tratado com desleixo: a legislação de posse e venda de armas de fogo.
Como se poderá permitir que se vendam armas livremente a indivíduos com cadastro? Como pode não existir registo obrigatório destes "paus de pólvora", que, sub-repticiamente, vão tirando a vida a milhares de americanos? Mais: como é que a pressão popular pôde imperar face ao cumprimento da lei e à moderação kantiana na mente de procuradores, juízes e agentes policiais, que aceitaram e apoiaram uma autêntica farsa teatral, uma tentativa de eternizar o já podre poderio norte-americano, que crucificou publicamente dois SUSPEITOS, sem que as suas culpas tivessem sido inteiramente apuradas?
Como se pode apontar o dedo à proveniência estrangeira dos suspeitos, se estes foram introduzidos desde jovens no país que hoje os toma por traidores, sendo, inclusive, o mais velho estudante de medicina numa afamada academia local? Como podem os norte-americanos aumentar o número de tranquitanas nos aeroportos, quando há armeiros à frente das universidades? Como pode Obama procurar problemas no estrangeiro, quando a sua maior luta é interna? Como podem os americanos diabolizar os estrangeiros, quando eles próprios o são? Como podem apontar o dedo a suspeitos, quando eles mesmos são incendiários em potência?
Desenganemo-nos: este espírito está presente, chama-se NRA. E precisa-se, celeremente, de um exorcista.
Miguel Padrão (10.º A1 – 2012/2013)