Num mundo cada vez mais interligado, tudo se sabe rápida, quase instantaneamente. Uma notícia, que há dois séculos demorava quatro dias a cruzar pouco mais de 100 quilómetros (como no caso da Batalha de Waterloo, que ocorreu a 18 de junho de 1815, na Bélgica, e de que os londrinos só souberam dia 22 do mesmo mês), hoje chega ao antípoda do acontecimento em segundos, o que permite a formação de gerações cada vez mais informadas e atualizadas acerca dos problemas que o seu mundo enfrenta, por sinal, também cada vez maiores.

Assim, urge capacitarmo-nos que todos nos tornamos "embaixadores" dos nossos concidadãos, dos nossos iguais, de todos quantos nos assemelhamos ou com os quais nos relacionamos. Se a atual facilidade de acesso à informação gera, frequentemente, mal-entendidos, é obrigatoriamente neste quesito, uma vez que é esta mesma informação, muitas vezes supérflua e falaciosa, que nos leva a generalizações infelizes, estereótipos que já não têm lugar no nosso século ou preconceitos infantis. É tão importante a forma, que muitas vezes se renega o conteúdo para segundo plano.

Seria importante insurgir-nos – a sociedade - contra esta tendência de estupidificação crescente, se quisermos viver num mundo mais aberto, tolerante e compreensivo. Creio não existir exemplo mais gritante que o da verdadeira novela que conheceu o seu já esperado desfecho, esta semana, que envolve a violação e homicídio de uma jovem indiana em dezembro do ano passado e a subsequente busca e julgamento dos respetivos culpados, no que não passou de uma caça às bruxas mal encenada e que apenas fez crescer no Ocidente o estereótipo do indiano inculto, de baixo rendimento, preso a um sistema desatualizado de castas e a uma noção igualmente atrasada de igualdade de género, algo que NÃO CORRESPONDE, nem de perto nem de longe, À REALIDADE.

Pelos vistos, a justiça indiana, após um célere julgamento – a César o que é de César, apesar dos pesares - condena à morte os culpados por tal barbárie. Os indianos regozijam. A comunidade internacional cala-se ou aplaude. E lava-se o sangue de uma morte... com mais sangue.
Há que, antes de mais, abrir um pequeno-grande parêntesis para reforçar a brutalidade - diria mesmo bestialidade - do ato: revelando nada menos, nada mais que o mais baixo que o Homem pode atingir, um grupo de transeuntes estupra uma rapariga a bordo de um autocarro, agride-a com uma barra de ferro e atira-a borda fora, no que se assemelha ao argumento de uma tragédia grega, só que sem a presença de qualquer nobreza nas personagens nem arte na narração. Como tal, este ato bárbaro, primitivo, instintivo, merece, obrigatoriamente, uma condenação bastante pesada, que sirva de exemplo para outras tentativas. Qualquer tratamento, menos a pena de morte.

E questionarão os leitores: porque não a pena de morte? Não será o melhor "tratamento" a ser dado a tais criaturas, cuja capacidade para a vileza é inimaginável, cuja corrupção, sob todos os sentidos, é intratável?

Assertivamente não. Afinal, o que ocorreu na Índia não passou de um julgamento popular, cujo término não foi um linchamento - será a forca. O que por um lado foi positivo: acordou a sociedade indiana para o problema gritante que são as violações e a (des)igualdade de género, além de ter influenciado a aprovação de leis importantíssimas na luta contra este flagelo e ter renovado a esperança de organizações não-governamentais, personalidades públicas e, especialmente, de milhões de indianas, de que algo poderia mudar. Contudo, também influenciou – e muito - o julgamento em curso. Não conheço pormenores sobre o processo judicial, muito menos possuo dados que me permitam justificar o estranhamente elevado número de violações existentes na Índia. No entanto, todos sabemos que as reações a quente raramente nos darão motivos para regozijar num futuro próximo. E esta não será exceção, pois pode ser mais correta por diversos motivos, mas não é a mais importante, e apenas por um motivo.

O perdão. Por mais difícil que pareça, esta é a única solução viável para os indianos. Apenas a reconciliação deste país, que nos últimos meses encetou tão mediática dramatização, consigo próprio poderá alguma vez ajudar a resolver este problema, que creio ser mais profundo que na grande maioria das outras nações. Assim, mais derramamento de sangue será inútil, pois não servirá em nada para diminuir o sofrimento das indianas estupradas, para as quais esta cruzada mediática não passa de uma longínqua salvação, que sabem que nunca atingirão. Só uma pena exemplar, mas sem derramamento de sangue, permitirá alguma possibilidade a estas mulheres, afastadas dos bastidores do mundo, mas cujo choro sufocará, mais cedo ou mais tarde, a Índia, de vergonha.

Mais quatro cordas esticadas não resolvem nenhum problema. Poderão aplacar a raiva da família da defunta, mas nada farão em prol das restantes perseguidas por este pesadelo. Em relação a isso, apenas uma mudança de mentalidade salvará a Índia. Mas quanto ao presente, há que impedir esta cegueira do mundo, que, afinal, não aproveitará a ninguém.

Miguel Padrão (11.º A1)Miguel-Padrao

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