sermaoPeroração

Por tudo o que neste sensato e preocupado sermão afirmei, resigno-me: as pedras não me ouvirão - e mesmo que o fizessem, a sua centenária imutabilidade dificilmente de algo serviria - nem o farão as aves, que por demais distam do meu púlpito terreno. Que por lá, pelos seus altos Céus, se mantenham: longe da pútrida degenerescência que nos consome mal nos chegam os pés ao firme elemento, longe da descontrolada e deformada figura humana, perto do Senhor, do divino e da sua Santa e Transcendente palavra: afinal, é a tal comportamento que devem a sua salvação, pois, não fossem as suas aéreas capacidades, e há muito que já arderiam no nono círculo do Tártaro, há muito que o peso da sua alma já teria aterrado o gracioso corpo no mar de danação que sobrevoam.

Mesmo assim, tentarei falar, uma mais vez, a estes atenciosos ouvintes, que muito prezo e admiro, e deles então me despedirei, pois só eles merecem a Palavra Divina e a Salvação Final.

Ou não o ditassem as suas magnânimas, maravilhosas e grandiosas capacidades e humildade omnipresente. Ou não imperasse lembrar os seus feitos e virtudes, para que não caíssem na bruma do opaco esquecimento a que tende a memória coletiva dos que desprezam, esquecem e subvalorizam as suas liras de canto dulcíssimo, os seus honrosos e solidários pelicanos e os valorosos e audazes albatrozes. Os que, no lugar de serem cantados, exaltados e glorificados, são publicamente achincalhados em vida e desprezados depois de comidos pela terra, rebaixados pela mesquinhez dos invejosos, pela impertinência dos bajuladores, pelo cio de diversos interesses e da mais variada escumalha que, de tão baixo que chega em vida, nem a morte ou o Demo teme. Oh, infâmia, como poderão tão altos voadores ser esquecidos mal caem? Será de tal tenuidade o amor-próprio daqueles que ainda hoje se dizem Senhores de todo um Elemento? Estarão prontos para a eternidade, nos anais da História, os que nem pelos seus são relembrados? Poderão voltar a altos voos, sem que se auxiliem mutuamente a levantar do pouso de que teimosamente tardam a levantar?

Finalmente, irmãos voadores, apenas me resta louvar, uma vez mais, todas as vossas virtudes, todos os vossos poderes, todas as vossas facilidades e alertar-vos para as perigosas intenções dos que vos rodeiam: nem só no solo há ladrões, pecadores, hipócritas ou gananciosos, nem só nos mares se formam tempestades e contratempos, nem só à terra se limitam as ganâncias humanas, nem só ao terreno elemento está presa a sua ação. Defendei-vos, às vossas crias e aos vossos, de todas e quaisquer intenções humanas. Jamais lhes vendais os valiosos anéis que, a tanto custo conquistastes junto do Criador. Nunca permitíeis que esses gentios, infiéis e corsários, que hoje tudo tomam e desbaratam, tenham perto de vós abrigo seguro, ou por decerto enfrentareis a fúria Divina, fúria de Pai traído que só a muito custo aplacareis.

Acordai, aves de valorosa fronte, pináculo da Criação, e servi a Deus: acorrei à Terra e à Transtagana nação, que de vós bem necessita. Acorrei às praias e aos vales, aos montes e bosques, às vilas e rios, acorrei a todos e ajudai-me. Ajudai-me a salgar a corrupção. Ajudai-me a corrigir a devassidão. Ajudai-me a limpar os pecados de muitos séculos, a corrigir os erros de gerações, a terminar o longo reinado da perversão nestas paragens.

Talvez assim possamos elevar as nossas vozes, chegar às consciências dos faltosos, tocar os seus corações, e salvar as suas desmazeladas, culpadas e de outro modo perdidas almas. Ou talvez não, talvez não tenhamos qualquer sucesso. Quiçá possamos salvar a Humanidade, ou talvez nem atinjamos uma singular mente. Tentámos, e de tal nos poderemos orgulhar. Não perdei a vossa perserverança, a vossa assertividade, o vosso brio, a vossa fé, meus Irmãos. Não vos esqueçais de O servir.

Não vos deixeis naufragar, inertes e indefesos, sem sequer esbracejar em busca de auxílio.

E desenganai-vos: aos justos, Ele lançará sempre uma corda.
Ámen.

Miguel Padrão (11.º A1)Miguel-Padrao

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