web idiossincrasiaNas últimas semanas, temos sido brindados com diversos estudos, com diversas e prestigiadas informações, sobre alguns assuntos que, muito vaga, cega e até por vezes religiosamente, são discutidos na praça pública. Devido a este triste e contraproducente "barulho de fundo", por vezes ignoramos dados e factos importantíssimos, como o que hoje considero pertinente referir, sendo regularmente levados "de arraste" por correntes de opinião que apenas conduzem ao populismo, à ignorância e à manipulação daqueles que as seguem.

Infelizmente, há que relembrar, nos dias de hoje são poucos os políticos, comentadores ou especialistas que comentam desinteressadamente o que quer que seja, pelo que é cada vez mais necessário conseguir ler nas entrelinhas de qualquer intervenção pública, conhecendo, além da tese, o orador: filtrar as informações úteis e distinguir a mensagem dos floreados que, costumeiramente, enfeitam esses discursos e, talvez o mais importante, desenvolver a nossa capacidade de raciocínio crítico e lógico.

Contudo, não será de oratória que vos falarei, mas do mais recente estudo da OCDE - Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico -, publicado esta semana e dirigido aos custos da saúde e respetivo "retorno" nos seus países membros. Como já nos habituámos, muitas das conclusões daquele estudo são, eufemisticamente falando, arrojadas, face ao recente e reforçado discurso de cortes na saúde e insustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde. Perguntará o leitor: "Por que carga de água arrojados? Não será evidente a necessidade de cortes na saúde, para que se possa tratar, eficaz e condignamente, os mais necessitados e desesperados? Não é óbvia a necessidade de racionarmos tratamentos e medicamentos, face à impossibilidade da sua compra pelo Estado - que, afinal de contas, somos todos nós -? Não será, talvez, mais eficaz terminar o Serviço de Saúde, para dar lugar à escolha personalizada e individual de seguros de saúde, médicos e locais de internamento?"

Pelas conclusões do estudo, não: dos estados analisados, os Estados Unidos da América, arquétipo da liberalização dos serviços de saúde e ícone dos seus defensores, obteve o pior desempenho, tendo a sua esperança média de vida aumentado "apenas" sete anos e nove meses nos últimos quarenta anos, face aos mais de 10 anos de média no grupo em estudo. Se este resultado já é responsável por uma dura machadada no pressuposto da superioridade qualitativa dos serviços prestados por privados, o segundo dado dá um golpe ainda mais certeiro no argumento monetário, ao constatar que, face a uma média de gastos anuais em saúde de 3300 dólares, os norte-americanos isolam-se no topo, com 8500 dólares por ano per capita de gastos em saúde.

Assim, e baseando-me em factos, daqueles números apenas se podem tomar duas conclusões: ou esta disparidade entre a qualidade e o preço, verificada no único país dito "desenvolvido" que não possui obrigatoriedade de existência de seguros de saúde, se deve a fatores externos, como o seriam a obesidade e o sedentarismo, ou a tendência genética da população - o que, após a exportação do american way of live um pouco para todo o mundo, me parece um argumento um tanto ou quanto dúbio - ou teremos de concordar com o inevitável: a prestação dos serviços de saúde por privados apenas conduzirá ao aumento dos lucros desses mesmos privados, sem benefício de maior para a saúde e longevidade da população - excluindo, obviamente, a fatia que aufere maiores rendimentos e cujos cuidados de saúde estarão sempre assegurados em ambos os sistemas.

Finalmente, creio ser interessante este estudo por, mais uma vez, nos provar que geralmente - para não dizer sempre – há que saber pensar de forma independente e sem estigmas. Quando crescia o número dos que apoiavam o fim da saúde pública ou mesmo a extinção do Estado Social que a Europa construiu nos últimos 50 anos, do qual nos orgulhamos e que deveria ser visto como uma das maiores conquistas civilizacionais do século passado - com todos os erros e imperfeições inerentes a tão grandíloqua obra -, este documento vem dar uma chapada de luva branca a todas estas teses de aproveitamento, insegurança e parcialidade, que espero começarem hoje mesmo a tombar, perante a hecatombe que esta publicação os levará.

Para bem da Europa e do Mundo, temos de preservar. Corrigir as imperfeiçoes e melhorar alguns pormenores, é certo. Mas manter a sociedade de que nos orgulhamos, que faz de nós europeus de pleno direito e que faz do Velho Continente o farol que hoje ilumina os quatros cantos do mundo.

Miguel Padrão (11.º A1)Miguel-Padrao

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