Afinal, não será o ser humano um amante platónico da liberdade? Não será a liberdade absoluta uma realidade – felizmente - inatingível para o comum dos mortais? E não será o Direito à Vida a pedra basilar que, além de sustentar toda a construção da nossa atual sociedade, é também o zénite da confirmação do Direito à Liberdade?
Às supra referidas questões, deixarei ao auditório a responsabilidade de responder convenientemente. Hoje pretendo focar-me numa espantosamente silenciada notícia vinda do longínquo Oriente, cuja discussão julgo ser essencial, quanto mais não seja para desmontar algumas das falácias que creio poderem levar a interpretações menos corretas.
A notícia, da qual quem segue a atualidade internacional certamente já tomou conhecimento, dá-nos conta das alterações à política do filho único introduzidas pelo Governo Chinês, permitindo um aligeiramento das medidas atualmente em vigor para efetivar o controlo da natalidade naquele que continua a ser o mais populoso país do mundo. Certamente uma razão de regozijo para os defensores dos direitos humanos, para os Ocidentais e para todo o ser humano racional - categoria da qual se autoexcluem racistas e extremistas -, esta boa nova não "caiu" como seria expectável em muitos meios sociais, políticos e económicos, cuja cegueira, decorrente, porventura, do opaco véu egocêntrico e utilitarista que enevoa toda a nossa sociedade, levou a um sub-reptício repúdio e afastamento.
A medida é, só de si, um passo de gigante para a - ainda ténue - afirmação dos Direitos Humanos neste Gigante, cujos pés de barro por decerto já concluímos tratarem-se justamente da instabilidade social e do amordaçamento de diversos direitos fundamentais da população. Posto isso, a supracitada reação não me pôde deixar mais surpreso. Contudo, após alguma reflexão, penso ser este um brilhante exemplo da influência de certos dogmas e falácias na nossa sociedade, da sua influência na opinião pública e da ação de diversos grupos de pressão na nossa enfraquecida comunicação social.
No que toca às falácias que as teses de repúdio a esta medida usam, citarei apenas as que considero mais importantes e cuja gravidade creio dever ser discutida publicamente, como ato de catarse coletiva e, quiçá, como sessão de autocorreção.
I - uma falácia ad hominem contra os chineses em geral, cuja culpa em praticamente todos os defeitos da sociedade atual os seus defensores advogam. Esta interessante falácia, semelhante em quase tudo à famosa "Facada nas Costas" advogada por Hitler, nos anos 30, quer fazer crer que a desregulação dos mercados financeiros, do capitalismo e do consumismo foi causada pelos chineses, que, assim, servem de bode expiatório para a inércia Ocidental, que durante longos anos observou, impávida e serenamente, a desconstrução de sistemas de regulação, fronteiras e taxas com centenas de anos, em troca de um engrossamento ainda mais acentuado de uma globalização que, aqui e ali, começa já a pecar por excesso.
II- uma falácia do falso dilema, na qual teoricamente o Governo Chinês devesse proceder imediatamente à total liberalização das políticas de natalidade, sem qualquer hipótese de meios-termos como os atuais, que apenas perpetuam uma "semi-injustiça". Apesar de possuir maior força argumentativa, esta falácia também incorre num desnecessário radicalismo: é óbvio que o alvo que todos louvaremos será a total descriminalização de todo e qualquer nascimento; contudo, também há que dar tempo ao tempo, permitindo ao Governo Chinês uma análise mais cuidada das consequências de tais decisões. Acima de tudo, devemos recordar que "Roma e Pavia não se fizeram num dia"!
III- finalmente, uma falácia da causa falsa, na qual se relaciona diretamente a demografia chinesa ao seu recente crescimento, prevendo-se que esta medida poderá levar ao eclipse da sociedade Ocidental, demograficamente estagnada. Esta falácia confunde, grosseiramente, as razões por detrás do recente sucesso chinês, pelo que é, quiçá, a mais perigosa. O potentado chinês baseia-se maioritariamente nas parcas condições e trabalho e salários que a grande maioria da sua população aceita, devido ao estrito controlo e influência estatal sobre toda a opinião pública. Assim, não devemos de modo algum relacionar a demografia com este ascendente, senão numa ligação inversa: será a liberalização dos nascimentos um primeiro passo numa democratização da sociedade chinesa, que conduzirá os seus cidadãos a maiores exigências e transformará a China num país consumista e ocidentalizado? Só o futuro o dirá
E, assim, apetrechados com argumentos desta índole e suposta inegabilidade, muitos dos supostos "defensores da democracia", da "liberdade" ou da "justiça" insurgem-se contra tamanha injustiça, falta de assertividade ou de tato, servindo-se dos meios de comunicação e informação para expressar as suas inflamadas e contraditórias teorias, sem se aperceberem que mordem os valores que dizem respeitar, negam os seus princípios e tornam-se nos seres sem coluna vertebral que, publicamente, afirmam execrar.
Já em relação aos meios de comunicação, este caso leva-me concluir que a "pescadinha de rabo na boca" de declínio e crise em que se encontram é facilmente explicável pela estranha, pouco dignificante e infeliz mudança de um estilo de imprensa tradicional para uma abordagem mais massificada, gutural e própria de tabloide, que se operou nos últimos anos. Sedentos de lucros, um grande número de revistas, diários e até mesmo semanários optou por uma escrita mais simplificada e banal, o que, juntamente com a crescente falta de criatividade e matéria, levou ao crescente descrédito e à agonia destes tradicionais criadores e manipuladores da opinião pública, que hoje se tornaram principalmente numa montra de vaidades e num mostruário de boatos. A época da informação verídica, devidamente tratada e verificada, já era: bem-vindos aos feitos do facilitismo, da massificação da opinião e da idolatração do lucro acima até do altar da integridade, da veracidade e do trabalho duro.
Concluindo, que o texto já vai longo, esta boa notícia é um bom exemplo da podridão, cinismo e oportunismo que se apoderou da nossa sociedade nos últimos tempos e que deve ser combatida para bem de todos. Não podemos permitir que o lucro dourado de uns poucos suplante os direitos básicos de muitos outros. Não podemos deixar que se suje o brilhante e dourado ouro com o sangue de uma vida humana. Sobretudo, não nos podemos permitir ser ludibriados. Não podemos hipotecar o nosso futuro, a nossa liberdade, por palavras vãs e falsas. Afinal, não nos devemos equivocar: após os chineses, haverão outros a escravizar.
Miguel Padrao (11.º A1)